quarta-feira, 10 de junho de 2009

Mestre, poeta, fingidor

Fazia muito tempo que eu não ia ao teatro. Não tenho o costume de assistir a peças, mas gosto bastante. Para mim, a relação entre os atores e o público é aberta para reações diversas e, portanto, é sincera.

Noite fria e o público à espera. Quando o auditório é aberto, as pessoas entram e se acomodam. As luzes se apagam e a ansiedade aumenta. O espetáculo já vai começar.

A peça intitulada O fingidor, dirigida por Samir Yazbek, é uma ficção bem-humorada da vida do poeta português Fernando Pessoa, que se passa por datilógrafo para trabalhar com um aclamado crítico de sua obra. Além desse novo personagem, a história também mostra os heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Confesso que de teatro não entendo nada. Então, as impressões registradas aqui partem de uma espectadora "crua".

O elenco, não à toa, foi aplaudido de pé e com sorrisos nos rostos. O destaque foi Helio Cicero, protagonista, no papel de Fernando Pessoa e de, digamos, seu novo heterônimo, interpretado de forma caricata, porém, espetacular. Este era divertido, carismático, desinteressado por poesia. O outro, "ele mesmo", era sério, louco, fingidor...

O texto traz a poética de Pessoa com naturalidade e, entre outras obras-primas, o poema a que o título da peça faz alusão, "Autopsicografia". Esses versos não poderiam faltar na peça e, muito menos, aqui.


Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama coração

Fernando Pessoa (1888-1935)


*** O fingidor estreou em 1999, quando o diretor Samir Yazbek recebeu o Prêmio Shell de melhor autor. Nestes 10 anos, a peça teve ótima aceitação pela crítica, montagem em outras cidades, tradução para outras línguas e adaptação para a televisão. ***


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